Recentemente, um conjunto de denúncias trouxe à tona um cenário chocante que envolve Institutos Médico-Legais (IMLs), funerárias e grupos fechados na internet: a chamada “Festa no IML”. Mais do que mero sensacionalismo, esse caso escancara uma prática criminosa, que inclui vilipêndio de cadáver, imagens pornográficas e a circulação de relatos profundamente perturbadores.
Apesar de muitos minimizarem a situação como uma “brincadeira de mau gosto”, a gravidade do tema exige uma análise cuidadosa. Portanto, este artigo convida o leitor a uma reflexão ética, informada e responsável, a fim de compreender um caso que expõe não apenas falhas institucionais, mas também ameaças a trabalhadores da saúde e um desrespeito chocante à dignidade humana.
1. O que foi a “Festa no IML” e como o escândalo veio à tona
A expressão “Festa no IML” começou a circular amplamente nas redes sociais em 2020, quando denúncias feitas por Nina Maluf, tanatopraxista do Rio Grande do Sul, e seu companheiro, Vinícius Cunha, vieram à tona. Juntos, eles expuseram a existência de grupos fechados no Facebook e WhatsApp que compartilhavam imagens pornográficas envolvendo cadáveres femininos e travestis. Um dos grupos, inclusive, usava como título o nome que acabou batizando o escândalo.
Segundo Nina, membros postavam fotos de mulheres jovens mortas vítimas de acidentes ou suicídios — acompanhadas de comentários com conotação sexual. Um dos casos que se tornou emblemático envolveu a modelo Caroline Bittencourt: uma imagem de seu corpo no IML foi acompanhada de frases como “quem será o sortudo que fará o acompanhamento” folhamax.com.
Os participantes se identificavam como, ou se faziam passar por, funcionários de IMLs, criando uma ilusão perturbadora de acesso real aos locais de perícia folhamax.com+1pensarpiaui.com+1.
2. As denúncias e o silêncio das autoridades
Após denunciar o grupo ao Ministério Público do Rio Grande do Sul e à Polícia Federal, Nina relatou que sofreu ameaças de morte, inclusive por pessoas consideradas “perigosas”. Além disso, ela afirmou que o caso foi ignorado por quase 100 dias. A investigação, por sua vez, foi registrada sob o número “expediente RD.00849.00364/2020” pela 21ª Promotoria de Justiça do RS; entretanto, não há notícias sobre o andamento ou desfecho do processo até o final de 2020.
A Polícia Federal, por sua vez, se manifestou apenas dizendo que “não comenta eventual investigação” . Já o MP-RS encaminhou o caso à Polícia Metropolitana para apurar os fatos reddit.com+15portaldoholanda.com.br+15pensarpiaui.com+15.
3. Entendendo o crime: necrofilia e vilipêndio de cadáver
No Brasil, a necrofilia é vista pela medicina como um transtorno psiquiátrico uma forte atração sexual por cadáveres folhamax.com+14ric.com.br+14pt.wikipedia.org+14. Já o crime de vilipêndio a cadáver, previsto no artigo 212 do Código Penal, descreve a conduta de “ofender a dignidade de cadáver ou ossada” com pena de 1 a 3 anos e multa pensarpiaui.com+5folhamax.com+5expressoam.com+5.
Além disso, o artigo 210 pode caracterizar crime se o abuso ocorrer dentro de funerária ou perturbar sepultura ric.com.br+1ric.com.br+1.
5. O ambiente e a gravidade: vulnerabilidade dos corpos nos IMLs
Profissionais que atuam em necrotérios confirmam que as estruturas de controle e vigilância são frágeis, especialmente no interior. Muitas vezes, cadáveres são deixados desacompanhados por horas, a coleira de custódia documental é fraca e não há câmeras .
A falta de protocolos formais, aliada à cultura informal que tolera fotografias e manipulação inadequada dos corpos — ainda que sem conotação sexual facilita a proliferação de comportamentos criminosos .
6. Relatos de trabalhadores: o horror revelado
Nos relatórios e entrevistas, há relatos chocantes:
Um colega recebeu o corpo de uma jovem de acidente e, ao ver o corpo, teve ereção e foi ao banheiro se masturbar reddit.comexpressoam.com+3ric.com.br+3ric.com.br+3.
Um maqueiro confesso foi quem foi detido em Manaus portaldoholanda.com.br.
Dentro de grupos de WhatsApp, era comum a troca de vídeos e imagens de corpos de vítimas acompanhadas de comentários como “olha essa bundinha” expressoam.com+3ric.com.br+3ric.com.br+3 e “a mulher é abusada até na morte” expressoam.com+6funerarianet.com.br+6portaldoholanda.com.br+6.
Diversos vídeos tinham milhares de visualizações e curtidas, com relatos afirmando que “quanto mais explícito e violento, mais like tinha” reddit.com.
7. Reações nas redes: entre a incredulidade e a denúncia
Nas redes, a comunidade percebe o escândalo com horror e muitos reconhecem que, apesar da raridade, esse tipo de crime existe:
“Isso sim, a ‘banalização’ da morte é algo até esperado… Agora, expor foto de cadáver e tocar com intenção sexual ultrapassa qualquer limite.” reddit.com
No Reddit, um profissional do ramo respondeu:
“A maioria leva o IML como se fosse um bico… Nem me preocuparia… Agora, expor foto de cadáver e tocar com intenção sexual ultrapassa qualquer limite.” reddit.com+1expressoam.com+1
Alguns questionam a veracidade dos relatos, alegando que são exceções e que a estrutura é rígida. No entanto, reconhecem que a ocorrência é real, grave e merece atenção .
8. O papel das autoridades e instituições
A Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas (ABMLPM) se posicionou repudiando qualquer ação que configure vilipêndio de cadáver. Ainda assim, as denúncias não foram amplamente esclarecidas, e muitas vítimas de violência simbólica e real continuam sem resposta .
O Ministério Público e a Polícia Federal abriram procedimentos, mas não há confirmação pública sobre investigações efetivas ou prisões relacionadas aos grupos denunciados.
9. Por que isso é tão urgente?
É um ataque à dignidade humana: cadáveres não são objetos de piadas ou abusos. O respeito à integridade, mesmo após a morte, é princípio ético e legal.
Há falha institucional grave: sem câmeras, protocolos, formação ética e controle de acesso, cadáveres ficam vulneráveis a qualquer tipo de violação.
Trata-se de crime real: o vilipêndio a cadáver não é fantasia é crime previsto em lei, com punição e necessidade de investigação.
Abalo à confiança social: familiares que passam pelo IML buscam paz e respeito. Sabendo que corpos podem ser alvos de crimes sexuais, muitos temem expor de forma injustificada seus entes.
É urgente conscientizar profissionais e formar uma cultura de respeito: é preciso que quem atua em IMLs, funerárias e necrotérios compreenda a importância do tratamento ético das vítimas.
Conclusão: dignidade pós-morte é responsabilidade de todos
A “Festa no IML” não é apenas um nome chocante é o sintoma de uma falha profunda de valores. O direito de festejar ou de relaxar não justifica a violação da dignidade humana, ainda que post mortem.
O sacrifício de denúncias como a de Nina Maluf, que enfrentou ameaças para expor esse horror, exige uma resposta firme legal, institucional e social para proteger a memória dos que partiram, a dor dos que ficaram, e restaurar a confiança pública nas instituições que lidam com a morte.
É hora de transformar esse escândalo em um ponto de virada: que a ética, a legislação e o respeito sejam os pilares da atuação em necrotérios, IMLs e funerárias pois a dignidade humana não termina com a vida.